terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Detenta mostra que força de vontade faz a diferença


Dificuldades. Falta de estímulo e perspectivas. Além da privação de liberdade. Para muitos esta combinação seria suficiente para justificar o não crescimento pessoal e profissional de um preso. E estas teem sido utilizadas, até por quem alisou o banco do saber, ao avaliar o aumento da população carcerária e crescimento dos índices de violência.

Especialistas divulgam frequentemente que é impossível recuperar um preso diante da atual política de segurança pública brasileira. E isso pode ser considerado verdade até o momento que alguém resolve desafiar tais teorias.

E foi o que fez Maria Aparecida Lourenço. Na contra-mão de suas colegas, ela resolve mudar sua trajetória através dos estudos.

Maria foi presa em 2000, condenada a cumprir uma pena de 3 anos e 50 dias por tráfico de drogas e outra de 18 anos e 8 meses por homicídio. Antes disso, nunca tinha trabalhado na vida. “Eu era uma pessoa revoltada, me envolvi com essas coisas erradas e vim parar na cadeia com 18 para 19 anos. Eu só tinha terminado o ginásio”, conta.

No período em que está interna, Maria já trabalhou em diversas empresas, que contratam os serviços de presidiários na mão-de-obra. “Trabalhei numa metalúrgica, numa empresa que faz lâmpadas fluorescentes, em uma de materiais hospitalares, mas nada disso conta na minha carteira de trabalho. E ainda por cima essas empresas não contratam a gente depois, quando cumprimos nossa pena”, diz.

Mudança de rumo

A decisão de se apegar aos estudos para mudar de vida não foi uma idéia que surgiu da noite para o dia. Maria tem vivenciado situações complicadas. Transferências constantes e falta de estímulos para estudar, são algumas.

Seu contato com o estudo dentro do sistema carcerário surgiu apenas em 2004, quando estava no Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, onde permaneceu por 9 meses. “Nem me lembro mais do nome da professora, mas ela era muito boa, me estimulava a estudar, foi quando eu pensei em fazer a prova do CESU (exame que dava a certificação de conclusão do ensino médio, aplicado pelo Centro de Exames Supletivos)”, lembra.

Não conseguiu fazer o exame, pois foi transferida para a Penitenciária Feminina da Capital (PFC) e logo depois para mais outros dois presídios que não tinham sistema de educação estruturado.

Foi apenas em 2006, quando foi transferida para Taubaté após uma rebelião no presídio onde estava, que Maria repensou sua situação. “Eu fui para um Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e tive contato com as coisas que eu mais tinha medo na vida. Eu sempre tive pânico de ficar sozinha e de escuro. Nesse lugar eu fiquei um tempo numa cela completamente sozinha, com horário para falar. À noite eu morria de medo do escuro, ouvia vozes, barulhos de animais. Foi quando eu percebi que precisava sair dessa vida, mudar tudo. Foi quando eu encontrei Deus, quando eu comecei a acreditar nele”, explica.

A partir deste episódio, Maria focou seus esforços para mudar de vida. “Passei a ler mais, até mesmo a Bíblia e hoje eu não paro de ler. Minhas amigas dizem que eu não paro de estudar, que eu vou ficar louca por causa disso”, brinca a detenta, que diz adorar ler os livros de Fernando Pessoa e Machado de Assis.

Enem

Maria é uma do grupo de 12 mil detentos inscritos para participar da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que será aplicado nesta terça e quarta-feira em presídios de todo o País. Seu objetivo inicial é conquistar o diploma de conclusão do ensino médio, que hoje é concedido apenas a partir deste exame, mas não pensa em parar por aí.

Como seu acesso a notícias é restrito, ela conta com a colaboração de seu professor, que fornece reportagens e pesquisas que encontra na internet para complementar os estudos da aluna. “Meu professor atual vem me ajudando muito. Ele viu que eu estou me destacando, mostrando interesse, e me enche de coisas para ler”, comenta.

Maria considera o apoio que recebe uma exceção. Em sua opinião, é bem provável que os demais detentos que farão a prova do Enem não tenham um resultado muito bom na prova. “O material que a gente tem não é dos melhores e o tempo das aulas é pouco”, observa Maria.

A detenta tem apenas duas horas de estudo por dia na penitenciária. Entretanto, durante estas duas horas, ocorrem pelo menos duas contagens dos internos do presídio, o que interrompe a aula por pelo menos meia hora a cada vez.

Além deste empecilho, os detentos nem sempre têm os mesmos objetivos de Maria nas aulas. “Para cada 6 horas de aula, eles têm um dia de detenção abatido. Alguns internos participam das aulas às vezes só para justificar o fato de não trabalhar na detenção. Por isso que os que se destacam acabam recebendo mais dedicação dos professores”, explica Claudia Marize Cândida dos Santos, diretora de Educação da Penitenciária Feminina do Butantã, onde Maria está desde 2008.

Maria é mais exemplo de que focando nos objetivos e perseverando se conquista tudo.


Fonte: IG Educação


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