quinta-feira, 28 de maio de 2009

"Poemas Fantásticos"

POEMINHO DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mario Quintana

OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto;
alimentam-se um instante em cadapar de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti...

Mario Quintana - Esconderijos do Tempo

Tecendo a Manhã

1. Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito
que ele e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro;
e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos
de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.

2. E se encorpando em tela,
entre todos, se erguendo tenda,
onde entrem todos,
se entretendendo para todos,
no toldo (a manhã) que plana livre de armação.
A manhã,
toldo de um tecido tão aéreo que,
tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

Catar feijão

1.Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidare
as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão,
soprar nele,e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2. Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entreum grão qualquer,
pedra ou indigesto,um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,açula a atenção, isca-a como o risco.

João Cabral de Mello Neto

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio,
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manoel Bandeira

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